sábado, 13 de abril de 2024

Cinco breves ponderações sobre as razões para votar +UFPA

 Ponderações, quase aleatórias, que ajudaram a consolidar o meu voto na chapa +UFPA (Gilmar – reitor e Loiane – vice) para a reitoria da UFPA 2024 - 2028.  

A gente quer comida, diversão, arte e fazer amor!

Será que é louco o poeta ao bradar que não precisamos só de comida, mas também de diversão, arte e de fazer amor? Universidades, escolas, museus, cinemas, bibliotecas, arquivos, e outros equipamentos culturais têm a potência de nos aprimorar, de nos tornar seres humanos melhores, de nos fazer avançar em civilidade, e urbanidade, de nos prover equilíbrio, plenitude, autonomia, competência crítica, liberdade, ... e tem a potência de transformar a realidade, a sociedade, as nossas vidas, cidades, país e a do nosso planeta. A quem e por que tanto incomoda o investimento público em arte e cultura? É razoável isso dentro da universidade? 

O orçamento público é planejamento e é lei!

No setor público o orçamento de cada instituição é rigidamente regulamentado e ele próprio se torna uma norma ao ser consolidado e aprovado pelo congresso a cada ano. A execução financeira também possui regramentos legais rigorosos. Essas condições talvez expliquem uma tendência a tratá-los de forma burocrática e não como instrumentos de planejamento e gestão, mas não autorizam certas afirmações sobre o tema, por postulantes de cargos públicos, que servem apenas para revelar incompetência, leviandade e as vezes má fé.

Questão de gênero e democracia

Penso que a causa social fundamental é a democracia uma vez que ela é uma condição para a possibilidade de expressão de todos, inclusive das pessoas ou grupos sociais minoritários e vulneráveis que pela sua condição passam por violências na forma de assédio, perseguição e outros meios de opressão. Isto posto tenho dificuldade de compreender, particularmente no ambiente universitários, discursos em defesa de causas como a de gênero quando pronunciados por “líderes” que se aliam a dirigentes autoritários num claro flerte com a cultura do patriarcado. A trivialidade de mulheres acusadas de perseguição e assédio moral nas instituições deveria nos fazer refletir que certas questões são mais complexas e não apenas de gênero.

Sobre a experiência e o sentido da vida

Um dia desses uma pessoa próxima me provocou a refletir sobre o tempo, esse patrimônio onde se desenvolve a vida que não nos oferece possibilidade de retorno ou reaproveitamento, ou o utilizamos da melhor forma ou já era. Essa provocação, todavia, estava direcionada a pensar sobre a experiência que é de vida, que é profissional e que deveria tratar das lições práticas que a vida atenta nos oferece. É preciso cuidado, no entanto, para não tratar da experiência profissional como um requisito fundamental por si mesmo, o que comporta uma armadilha que pode nos aprisionar em procedimentos e padrões de conduta incapazes de responder adequadamente às mudanças, novas situações e novos contextos, que se tornaram tão comuns no nosso tempo. Tão importantes quanto a experiência são requisitos como a inquietude e a competência crítica que nos premiam com a inovação e a resolutividade. Gosto muito da metáfora pela qual, como nos carros, devemos trabalhar e viver olhando para trás pelo pequeno retrovisor e para frente, pelo amplo para-brisa. A questão fundamental sobre o sentido da vida não é trivial, todavia, de forma bem-humorada, dá para arriscar que é para frente!

Sobre leituras, promessas e profecias

Com o tempo aprendi a ouvir o que não é dito e principalmente a ler o que não tá escrito. Dito de outra forma, as mensagens podem estar no silêncio e nas condutas mais do que na palavra escrita ou dita, por outro lado palavras são suficientes para desinformar, denegrir e fazer promessas. Nos últimos anos, na reitoria da UFPA, eu li a conduta de duas pessoas não perfeitas, mas leais entre si, éticas, abertas ao diálogo e competentes para nos conduzir em uma conjuntura econômica, social e política das mais adversas. Minha experiência mais próxima com ambos se deu em um dos muitos processos de criação de programas/cursos de pós-graduação, um tipo de iniciativa que apoiaram fortemente. Essas duas pessoas, pelo que até então fizeram pela UFPA e por tantas pessoas que por ela tem suas vidas transformadas, têm o meu respeito, reconhecimento e gratidão. Fundamentado em fatos e atitudes, ouso profetizar que uma delas prosseguirá nos liderando.


domingo, 29 de março de 2020

Corona vírus - que nos aproxime e nos torne melhores!


No dia dez deste mês de março de 2020 eu defendia junto à colegas de trabalho, via aplicativo de mensagens, que o Corona vírus seria algo sem maior importância, que passaríamos por ele sem grandes dificuldades, que a sua letalidade era estatisticamente baixa e que atingiria principalmente pessoas mais velhas que em geral já são atingidas, de forma mais danosa, por outras doenças como a dengue ou mesmo as gripes comuns.

Nos dias que se seguiram, à medida em que absorvia novas informações de especialistas da área da saúde, como epidemiologistas, virologistas e pneumologistas, corroboradas pela dureza dos fatos em diferentes localidades, fui mudando de ideia muito rapidamente. Foi decisivo para isso olhar a situação sob a perspectiva da saúde pública que apontava para a possibilidade de um contágio com evolução geométrica gerar uma quantidade de doentes, em estado grave, impossível de ser atendida pelos sistemas de saúde, ao ponto em que muitos morreriam, não por causa do virulento corona, mas por impossibilidade de atendimento médico.

No dia 17 de março duas informações acentuaram em mim a percepção de que já vivíamos uma situação que nos exigia cuidados como indivíduos, famílias, instituições e governo. Essas informações davam conta da fragilidade do protocolo de testes da doença pelos sistemas de saúde (confirmado por uma amiga médica) e do percentual de contágio próximo a 80% por portadores assintomáticos. Nesse dia decidimos, minha mulher e eu, que o nosso filho de dez anos  não iria para escola no dia seguinte, sendo que a escola no mesmo dia decidiu pela suspensão das aulas acompanhando decisões semelhantes da Universidade Federal do Pará e do Governo do Estado do Pará, neste caso para as escolas públicas.

Conforme a calamidade médica e ética se impunha, após a China, à países da Europa como Itália, Espanha, França e Alemanha, punindo de forma mais dura os países ou cidades que mais demoraram a adotar práticas isolamento e distanciamento social, uma sucessão de líderes mundiais, de diferentes matizes políticas e ideológicas, foi mudando de postura e passou a defender a necessidade de isolamento social. A mesma posição foi adotada por lideranças de todas as áreas de atuação, por sérios cientistas e analistas sociais, todos em alinhamento com as orientações da Organização Mundial de Saúde.  Cabe registrar a posição divergente de uma minoria de agentes do mundo político, econômico e intelectual, que a despeito das mortes em número muito superior a capacidade de sepultamento das cidades pelo mundo, seguem minimizando a gravidade da situação. Apenas ontem, 28 de março, foram mais de mil e setecentas mortes nas vizinhas Itália e Espanha. Esses agentes, que mais atrapalham do que ajudam, em geral possuem pouca profundidade intelectual, visão estreita ou uma ética de conveniência, em alguns casos padecem das três características.

No caso brasileiro se vê alguma consonância de ação, que poderia ser melhor, entre autoridades federais da área da saúde, governadores dos estados e prefeitos em vista de ações de enfrentamento a um possível avanço da doença. Vê-se um esforço que aponta para o isolamento e o distanciamento social, orientações para maior rigor em procedimentos de higiene, medidas de incremento à infraestrutura hospitalar com ênfase na ampliação do volume de testagem e na implantação novos leitos e UTIs com respiradores. Mais recentemente a área econômica dos governos estadual e federal, sintonizadas com a conduta mundial, anunciam medidas, que indicam uma compreensão da obviedade ética e civilizatória de que é descabido um dilema entre a preservação de milhares de vida e a estabilidade da economia.

A parte as questões de natureza pessoal, que incluem equacionar financeiramente o fechamento de uma micro empresa, que contribui para a renda familiar, da qual agora restam os custos, o que corresponde a situação de muitos, vislumbramos a possibilidade assustadora dos efeitos do avanço do vírus para as áreas mais populosas e pobres das maiores cidades, simultaneamente à maior ocorrência de outras enfermidades como a dengue e a tuberculose, mas também vivemos a confiança de que, apoiados nas forças espirituais, sob lideranças inteligentes e responsáveis, com o comprometimento de cientistas e equipes de saúde e com o nosso esforço cidadão sustentado em boa informação, superemos essa crise humanitária e que ela nos deixe um legado de mais atenção às coisas que mais importam, que nos deixe boas lições, que nos aproxime e nos torne melhores.

Por hora, conforme possamos, fiquemos em casa!

terça-feira, 4 de setembro de 2018

O Museu que se extinguiu em nós

Antes do Museu Nacional ser consumido pelas chamas a percepção da sua importância já queimava em cada um de nós.
O Museu não era apenas 200 anos de história, a residência da família real, a instituição que abrigou e justificou vidas inteiras de trabalho e de pesquisa, que guardava o fóssil humano mais antigo do Brasil e coleções valiosíssimas em tantos campos de estudo. Ele era tudo isso e era muito mais que isso.
O fogo consumiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro, como consumiu a Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, como consome diariamente outros patrimônios culturais do nosso País, dos nossos Estados, das nossas Cidades mais antigas, porém esses tesouros da História não perecem apenas pelo fogo, eles também são afogados, são consumidos por insetos, morrem de solidão, todavia o mais triste é que morrem antes, dentro de cada um de nós que não aprendemos a cidadania e que nos permitimos governantes sequer capazes de compreender a dimensão da tragédia que representa a falta de zelo com a nossa memória, com a nossa identidade.
A responsabilidade não é dos sucessivos governos em âmbito federal, do governo do Rio de Janeiro, da UFRJ, do hidrante sem água, da emenda constitucional do teto de gastos, dos governos municipais, a responsabilidade é solidariamente de todos esses agentes e também é de cada cidadão deste país, que quando muito, experimenta, sem bem compreender, o sentimento de perda diante de acontecimentos como o incêndio do Museu.
O incêndio do Museu nos entristece e a muitos faz chorar, mas o incêndio do Museu Nacional muito revela de uma tragédia muito maior pela qual há muito tempo já deveríamos estar tristes e chorosos. Sem reconhecer a importância do nosso patrimônio, da nossa História, da nossa identidade e da nossa memória nós estamos perdidos e assim afundamos mais, a cada dia, em caminhos incertos, sem noção alguma de onde viemos e menos ainda para onde estamos indo como sociedade e como nação.
Não apenas os museus, mas também os arquivos e as bibliotecas pelo mundo e pelo Brasil, são o registro dos caminhos percorridos pela humanidade, são os guardiões do esforço humano manifesto na ciência, na filosofia, na literatura e nas diferentes formas de arte, documentam e testemunham a trajetória que nos impulsiona da barbárie para a civilidade.
A nossa maior crise e merecedora do nosso maior lamento não é de segurança, de educação, de saúde, econômica, distributiva. A crise de civilidade é a mãe de todas essas crises: é em seu bojo que nos falta ética e nos sobra intolerância; é da sua natureza a prevalência do interesse individual sobre o coletivo; está na sua centralidade a forma como nos relacionamos com a natureza, os outros seres e com os nossos semelhantes; é da sua essência a pouca importância dada à cultura nos orçamentos públicos; é uma evidência sua a banalidade da morte dos museus, dos arquivos, das bibliotecas e da nossa própria morte.
Temos muito pelo que nos indignar! Temos muitos motivos pra chorar! O desafio que se nos apresenta é gigantesco! Existe limite para os descaminhos! Temos tarefa pra gerações. 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Ética nas relações de orientação acadêmica e maledicências na Internet


Este texto apresenta uma reflexão motivada pela disseminação e replicação de informação infundada por meio das redes sociais, destacadamente do aplicativo “whatsapp”, e ilustrada por episódios recentes no âmbito das Faculdades de Biblioteconomia e Arquivologia da UFPA, no contexto do processo de qualificação de Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, um procedimento que objetiva a qualidade dos trabalhos, o aprimoramento da habilidade de pesquisa e se sustenta no regulamento de graduação da UFPA que delega aos Conselhos de Curso a competência de regulamentar o TCC como atividade acadêmica curricular.

No caso do Curso de Biblioteconomia aprovamos um regimento de TCC no Conselho da Faculdade, onde os estudantes estão representados. Em outro momento convocamos e reunimos todos os professores e aproximadamente sessenta discentes que iriam se matricular em TCC, ocasião na qual foram esclarecidas as dúvidas e entregue, para cada um, uma versão impressa do regimento. Em seguida a reunião geral os estudantes se reuniram em grupos menores, por orientador, para os acertos iniciais referentes ao processo de orientação. Depois, em prazo decidido pelo Conselho da Faculdade, foram entregues para fins de qualificação, com o aval dos orientadores, setenta e cinco TCCs, em sua versão parcial que inclui a introdução, o referencial teórico e a metodologia a ser usada.

A primeira experiência de qualificação foi muito bem acolhida e aproveitada por orientadores e estudantes sendo que o ganho principal do procedimento, em rito privado, foram as contribuições dos professores convidados. Em muitos casos, em seguida a apresentação, os discentes sentaram-se à mesa com os examinadores e se estabeleceu uma construtiva conversa sobre o trabalho e suas possibilidades. No curso de Arquivologia, cujo prazo de entrega da versão parcial de TCC é hoje (15/02), os orientadores estimam a entrega de 25 trabalhos. Não é pouco em um curso com um ingresso anual de quarenta discentes e duas integralizações por ano.

Alguns desses cem (100) estudantes fizeram o registro, em redes sociais, da alegria de terem cumprido com sua responsabilidade acadêmica, porém duas estudantes, uma de cada curso, com evidências de, em grau diferente, terem negligenciado a orientação acadêmica pré- qualificação, se revoltaram contra o seu orientador e, por meios diversos, expressaram sua insatisfação contra o mesmo, contra o processo e com prejuízo à imagem da instituição que as acolhe. Nos dois casos renunciaram ao direito de reclamar nas instâncias devidas, de terem visto examinada de forma colegiada as suas reclamações, quiçá justas, e partiram para as ameaças e para a denúncia emocional via internet, que rapidamente ganhou corpo pelos comentários e compartilhamentos de desavisados, mas também de maldosos que se aproveitam da situação para dar vazão à avidez de julgar e condenar a quem não foi dado o benefício da dúvida ou a possibilidade de defesa. É só como podemos entender, por exemplo, no caso concreto, insensatas manifestações xenófobas de onde elas não poderiam vir.

Quantos colegas nossos ou nós mesmos estamos sendo profissionalmente bem acolhidos em outros estados ou países? Quantos de nós, ou nós mesmos, temos o sustento das nossas famílias garantido por empresas ou organizações sediadas em outros estados ou países? A priori uma pessoa é boa ou má profissional conforme o estado de onde venha ou a instituição na qual estudou? Acompanhamos, diariamente, nos Cursos de Biblioteconomia e de Arquivologia, profissionais sérios, com formação sólida e comprometidos institucionalmente, que deixaram os seus lugares de origem e estão nos ajudando, de forma decisiva, na melhoria dos curso de graduação e na implantação de importantes projetos que nos beneficiarão a todos. Não por sua origem, mas pela sua postura e profissionalismo são merecedores do nosso reconhecimento e do nosso respeito.

Temos o privilégio profissional de contribuir para a formação de bibliotecários dos quais já tivemos a honra de assinar muitos diplomas e esse orgulho é tanto maior porque um dos principais desafios desse profissional é, por meio de múltiplas linguagens, conteúdos relevantes e de fontes confiáveis, contribuir na edificação das pessoas, da sociedade e do mundo como um lugar melhor. Vivemos tempos em que essa tarefa se revela como de extrema importância e estudantes ou profissionais de Biblioteconomia, de Arquivologia ou de quaisquer outras profissões que tem por objeto a informação, que ainda não aprenderam essa lição e demonstram isso na forma como usam a internet e as redes sociais, precisam com urgência do benefício da fundamentação técnica, da educação, da cultura, das artes e da informação com a qual pretendem ajudar os outros.

A despeito de uma infinidade de usos positivos em todos os campos de atividade humana, destacadamente na área de informação e comunicação, é humanamente triste e muito difícil não concordar com a polêmica afirmação de Humberto Eco, de que a internet também potencializou a voz da mediocridade e da ignorância. No filme “A dúvida”, roteiro e direção de John Patrick Shanley, estrelado por Meryl Streep (EUA 2008) há uma cena em que um sacerdote católico alude a uma penitência sugerida a uma mulher pela prática de difamação. A pena consistia de a caluniadora espalhar ao vento, em uma torre bem alta, as penas de um travesseiro e depois recolhê-las uma a uma. A penitenciada, no dizer do orador, dizia ser impossível cumprir a tarefa ao que o sacerdote lhe respondia que da mesma forma é impossível reparar a honra de quem é injustiçado por maledicências. O filme retrata um problema que é muito antigo, mas que foi potencializado com o surgimento e o uso, sem o necessário zelo ético, da Internet e das redes sociais. Para Aristóteles a dúvida é o princípio da sabedoria, se vivesse hoje, aludindo a Manuel Castells, talvez dissesse: “principalmente no espaço de fluxos”, mas quem disse que vivemos tempos de sabedoria. Precisamos! 

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O Estranho Caso do Prefeito de Belém contra os Bibliotecários.



Quando da aprovação pelo Congresso Nacional, em maio de 2010, da Lei 12.244, que trata da universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do Brasil, o senador, pelo Distrito Federal, Cristovam Buarque afirmou que o projeto possuía dois defeitos “demorou tantas décadas para ser aprovado e estabelece um prazo longo para sua execução” e completou “os sistemas de ensino poderiam reduzir de dez para cinco anos o prazo de instalação das bibliotecas”.
A Lei, publicada no Diário Oficial da União em 25 de maio de 2010, é gigantesca na intenção e pequena em volume de texto; de forma simples e direta define sua abrangência, conceitua biblioteca, estabelece um acervo mínimo relacionado ao número de alunos de cada escola, define um prazo máximo de dez anos para sua efetivação pelos sistemas de ensino e determina a observância à profissão do bibliotecário nos termos da lei que a regulamenta.
Para além do sucinto conceito de biblioteca da Lei Federal é oportuno observar sobre a questão as proposições da Federação Internacional das Associações de Bibliotecários - IFLA, referendadas pela UNESCO, que atribui à Biblioteca Escolar, dentre outras, a responsabilidade de habilitar os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida, de desenvolver sua imaginação, de prepará-los para viver como cidadãos responsáveis.
O Prefeito de Belém do Pará, às vésperas da cidade completar 400 anos de fundação, achou por bem fazer diferente do que sugeriu o senador. Por meio de um Projeto de Lei encaminhado à Câmara Municipal, propõe limitar a 23 o número de bibliotecários no âmbito da administração municipal. Em sua defesa o prefeito poderia argumentar que o número de cargos é superior ao existente, mas isso não invalida o fato de que o mesmo é insuficiente e vergonhoso.
Florianópolis, com um terço da população de Belém, já cumpriu a lei de universalização das bibliotecas nas escolas municipais que são cuidadas por mais bibliotecários do que propõe o nosso prefeito para toda a nossa administração municipal. Para não ir tão longe é triste pensar que talvez nossa capital sequer alcance o município de Tomé-Açu, no próprio Estado do Pará, que recentemente inaugurou sua quinta Biblioteca Pública Municipal.
Para além da antecipação da intenção de descumprir a Lei Federal, cuja competência legal para exigir o cumprimento é do MPU, o ato é difícil de entender e de classificar. À luz da teoria administrativa, por exemplo, o ato desvela um gestor que ao invés de estabelecer objetivos e metas sociais para o município, de buscar a qualidade do processo educativo, estranhamente escolhe limitar um fundamental e poderoso instrumento de mudança.
A maior Biblioteca Pública de Belém, a “Arthur Vianna”, não é municipal, funciona no prédio apelidado de CENTUR sob a gestão do Governo do Estado, por meio da Fundação Cultural do Pará. Em março de 2016 completará 145 anos. Nasceu quando o Pará era província e o Brasil, império. Foi fundada em 1871, a partir de uma mobilização popular com a participação de membros do Clero Católico, profissionais liberais, estudantes, empresários, pessoas ligadas à Educação e à Cultura e outras figuras representativas da sociedade paraense da época; não nasceu por conveniência política, mas por necessidade e exigência social.
Nossos políticos talvez estejam mais pobres em mentalidade e visão, mas a população desta cidade não pode ter regredido a ponto de não se insubordinar civicamente contra uma medida culturalmente tão pobre e sem fundamento. Bibliotecários por iniciativa própria e de suas instituições procuram se mobilizar contra a medida, mas a causa não é apenas dos bibliotecários, a causa é da sociedade.
O ato da administração municipal exige vigilância, posicionamento e ação. Ao limitar o número de cargos de bibliotecário, a gestão municipal compromete o funcionamento das bibliotecas, afeta ou inviabiliza políticas públicas de leitura, soma com a ignorância e com a incivilidade, demonstra pouco zelo com o objetivo estratégico de tornar nossa cidade melhor por meio da educação e da cultura.
Os problemas da cidade são muitos, complexos e desafiadores, mas não podemos tratá-los como insolúveis. Nessa questão específica que inclui a promoção da leitura e o acesso a todo tipo de informação por meio das bibliotecas, uma medida bem razoável seria a aprovação de um “Plano Municipal do Livro, Leitura e Bibliotecas – PMLLB”, o que muitas capitais brasileiras já o possuem. Seria um belo presente de 400 anos e Belém bem que o merece.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Manoel Fortes Lopes

Um paraense ilustre

Um paraense ilustre, um grande amigo, um segundo pai, hoje nos deixou. Seu Fortes (Manoel Fortes Lopes). Ele morava em Brasília e tinha 92 anos. Convivi com ele no período que morei em Brasília entre 1997 e 2002. Sei de partes da sua história de longas conversas com ele que pra mim foram um privilégio.

Era de Igarapé Miri com rápida passagem por Belém onde estudou no Colégio do Carmo, calculo que no final dos anos 30. Mudou-se com 19 anos para o Rio de Janeiro onde teve breve carreira militar passando depois aos quadros do Banco do Brasil, condição na qual se transferiu para Brasília quando da instalação da Capital Federal.

No Rio de janeiro seu maior feito foi conhecer e se casar com uma bela, rara e preciosa joia carioca chamada Aracê Gondim que se tornou Lopes e propagava, sempre que podia e com base em sua experiência, serem os paraenses os melhores maridos.

Quando fui a Brasília prestar exame para o Mestrado me hospedei num dos hotéis mais simples do setor hoteleiro norte e num telefonema de Belém fui informado de que um paraense que morava em Brasília há muito tempo, que eu não conhecia, iria me hospedar. Poucos minutos depois recebi um telefonema dele próprio me instruindo a fechar a conta e esperá-lo que logo chegaria e que eu o reconheceria por estar em uma parati cor de açaí, como convinha a um bom paraense, dizia na época.

Conhecemo-nos assim, me saudou com uma afetuosidade natural como se me conhecesse há muito tempo,  levou-me para um confortável apartamento no início da Asa Norte onde me acolheu naquela e em tantas outras vezes que retornei a Brasília. Ele e a preciosa joia Aracê. Era encantador presenciar o zelo com que rivalizavam um com o outro sem o menor risco para a solidez da relação; era auspicioso ver o carinho e o zelo que tinham um para com o outro.

No período em que morei em Brasília deixei de ser seu hóspede e passei a ser tratado como filho. Participou de todos os pequenos eventos sociais que fiz e incluiu-me em todos os seus; tornou os seus filhos meus irmãos e sei que a qualquer tempo, como naqueles bons anos, assim serei recebido em suas casas, com a alegria que se recebe um irmão.

Contou-me em tantas conversas e com tantas fotos das viagens que fez com Dona Aracê, de trailer, de navio, de avião, para alguns lugares próximos e outros muito distantes. Penso nele como alguém que foi experimentado por problemas graves ao longo da vida, mas que soube apreciá-la intensamente como a dádiva que é.

Gosto especialmente de lembrar que usava minha chegada como pretexto para abrir um bom vinho dos quais me falava com entusiasmo enquanto degustávamos às vezes com os protestos de Dona Aracê, sempre preocupada com sua diabetes, aos quais ele respondia dizendo: “Cecê, o Hamilton está nos visitando isso merece uma celebração”. Deve ter repetido o gesto com muitos outros bons amigos que tinha. Rivalizava com seu gosto por vinho o seu apreço por tecnologia, destacadamente máquinas fotográficas.

Era católico, até onde eu sei não muito chegado aos ritos e às formas, mas quando recentemente o Papa Francisco falou que uma pessoa pela sua conduta, mesmo não frequentando a igreja, podia encontrar a salvação eterna, foi dele que eu lembrei. Não era um cristão de ritos, mas o era de substância. Sabia cuidar, sabia amar. Penso que escolheu o que há de mais belo nos ensinamentos de Cristo e sem que estivesse preocupado com isso, viverá para sempre.

Este é o segundo texto que lhe dedico, o primeiro foi minha tese de doutorado na UnB em 2003, nestes termos: “Ao casal Manoel e Aracê Fortes Lopes, a quem meus filhos se referem como avós de Brasília. As crianças dizem o que vêem e o que sentem. Viram e sentiram que tínhamos uma família em Brasília”. Quando a defendi ele estava lá.

Ele não era um paraense famoso, mas pra mim ele sempre será um paraense ilustre. Que Deus lhe acolha na sua paz meu amigo.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Giovanna Alves de Oliveira

"Giovana Menina"

Em um mundo complicado
de cruzadas, de cruzado,
de violência e carestias,
de AIDS, cólera e fobias,
Chegou GIOVANNA.

Que não será pecadora,
que santa também não será,
que não será salvadora,
nem esperanças trará,
Será apenas GIOVANNA.
A princípio só criança.
Embalada no sonho dos pais
e também segura em suas mãos.
Não terá medo como muitos,
também não será heroína,
A princípio só GIOVANNA,
A princípio só menina

Que tomará muito leite
e também pitos oportunos,
doses certas de carinho,
conforto em horas de dor,
educação esmerada,
excesso, apenas de amor.

Escrito em 22/07/1993.

terça-feira, 3 de março de 2015

Symone Morhy de Siqueira Mendes Lauria

Insurreição verde contra a ausência
Nos dias que se seguiram a partida da Symone, em conversa com a Tatiana, minha esposa, mencionei que me era estranha a ideia de que ela não estivesse mais entre nós, como se ela estivesse lá no seu apartamento com a família, pronta pra nos receber da forma tão carinhosa como sempre fazia. Tatiana me respondeu que sentia da mesma forma o que me levou a pensar que todos nós, que privávamos da sua amizade e da sua convivência, estaríamos sentindo igual, lidando mal com a ideia de que ela não estivesse aqui. Quando a Luiza Borborema sugeriu, que nesta missa poderíamos, em nome do grupo verde, produzir um texto para homenagear a Symone, logo pensei em externar esse sentimento de insubordinação contra a ausência.
Com o intuito de escrever a homenagem, com o grupo verde, pedi aos seus membros, por meio da Tatiana, que informassem sobre uma palavra que para eles representasse a Symone. Recebemos as palavras fé, sorriso fácil, esperança, amor, sal, perseverança, alegria e luz, estas últimas duas vezes cada e a elas acrescentamos as palavras irreverência e entusiasmo. Concordamos todos de certo que essas palavras a representam, assim como muitas outras que agora percorrem nossas mentes e nos fazem lembrar alguma vivência particular com ela.
Deixei para escrever o texto ontem à noite e ao iniciar a escrita a imaginei reclamando comigo – Égua Hamilton, procrastinando até para fazer a minha homenagem, vê se não escreve nada complicado e demorado que esse pessoal deve tá doido pra ir embora. E vê se não te esquece de citar o Gibran para eu saber que foste tu mesmo quem escreveu.
Vou atendê-la minha amiga e aderindo a licença poética de Thiago de Melo no “Estatuto do Homem” vou lhe dizer que nos insurgimos contra a sua ausência e por decreto irrevogável fica estabelecido que você continua conosco; como exemplo de fé, perseverança e entusiasmo, como sal que dá gosto à vida, em seus sorrisos fartos e fáceis, irreverente, alegre, iluminada e plena de amor você permanece em cada um de nós. A inspiração doutrinária do decreto vem de Kahlil Gibran, quando afirma que “não existem distâncias para a lembrança e apenas o esquecimento é um abismo que nem a voz nem a visão podem atravessar”.

Para leitura na missa por um mês de falecimento da Symone em 02/03/2015.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Curso de Biblioteconomia da UFPA: breves considerações sobre sua evolução no século XXI

Um texto qualquer não é científico por se definir assim, mas por atender a padrões mínimos quanto ao uso do método científico. Estas observações sobre o Curso de Biblioteconomia da UFPA, quando completa cinqüenta e um anos de fundação, não postulam a cientificidade, mas pretendem, pelo olhar de um observador privilegiado, informar sobre fatos, lembrando que a informação é insumo para o exercício da cidadania e para a crítica qualificada em diferentes contextos, uma lição elementar em Biblioteconomia.

O exame do objeto baseado em método científico nos exigiria minimamente a definição de variáveis a serem observadas ao longo de um tempo também pré-definido. Algo como se propõe o exame nacional de desempenho dos estudantes – ENADE, do Ministério da Educação. Por essa metodologia, na última avaliação (2009), o curso de Biblioteconomia saiu da primeira para a terceira faixa. No comparativo com os demais cursos no Brasil saiu das ultimas posições para uma posição intermediária. O resultado do ENADE não desconsidera aspectos negativos e deficiências, mas ao examinar e medir diferentes variáveis consegue observar a evolução em cada uma delas. O que teria mudado então no Curso de Biblioteconomia da UFPA no último quarto da sua trajetória institucional, que justificaria esse evidente movimento?

É bem comum que os professores de outras unidades da UFPA que ministram aulas para o Curso de Biblioteconomia fiquem admirados com a sua infraestrutura, que longe de ser a ideal, é bem melhor que a média da universidade como um todo. Pode-se exemplificar que há mais de cinco anos, quando muitos cursos de maior tradição disputavam um projetor de multimídia o curso de Biblioteconomia já os possuía em todas as salas de aula e em seu laboratório; que carteiras estofadas são realidade no curso há pelo menos quatro anos; que o laboratório de informática teve seus equipamentos integralmente renovados duas vezes nos últimos cinco anos. São aspectos facilmente identificados, relevantes, mas seguramente não são os que melhor explicam a melhoria em curso.

Outra variável importante para a mudança de patamar da graduação em Biblioteconomia da UFPA nos últimos anos foi a implantação de um novo Projeto Pedagógico de Curso – PPC a partir de 2009. A despeito da inviabilidade de que o desenho curricular atendesse ao gosto de cada um e preservado o caráter generalista da formação profissional, as mudanças no PPC foram significativas e acolheram os reclamos mais amadurecidos da comunidade bibliotecária nacional e local em benefício da sociedade. Destacamos de memória, sete dessas alterações na formação profissional: 1) a introdução da disciplina Ética e Informação; 2) a obrigatoriedade da disciplina leitura e formação de leitores; 3) o reforço de atividades voltadas para a produção acadêmica como as disciplinas elaboração de trabalho científico e pesquisa e biblioteconomia; 4) os ajustes e acréscimos nas disciplinas instrumentais da computação; 5) a substituição dos estágios em Biblioteconomia I, II e III por cinco disciplinas práticas desenvolvidas sob o acompanhamento permanente de um professor; 6) o incentivo a participação em atividades extraclasse, sobretudo eventos, com a obrigatoriedade de registro de atividades complementares e 7) a introdução da atividade de extensão em biblioteconomia, esta última com o objetivo de forjar o comprometimento social do novo profissional por meio da prestação de serviço à comunidade.

Por fim e possivelmente o mais importante fator gerador de mudança no padrão do Curso de Biblioteconomia nos últimos anos é um expressivo avanço no seu índice de qualificação de pessoal docente – IQPD. Em um esforço que incluiu a realização de um mestrado interinstitucional em Ciência da Informação em convênio com a UFRJ, iniciativas individuais de pós-graduação e o estabelecimento de termo de cooperação com a Universidade do Porto, o Curso passou de uma realidade de um único doutor, dentre seus professores efetivos, para a situação atual de cinco doutores e oito mestres, dos quais cinco em processo de doutoramento, restando apenas dois docentes especialistas, um dos quais, recentemente aposentado. No seu ambiente institucional imediato, o Instituto de Ciências Sociais Aplicadas – ICSA, com suas sete unidades acadêmicas, o IQPD de Biblioteconomia é superado apenas pelos das faculdades de Economia e de Serviço Social, ambas com cursos de mestrado regulares instalados há aproximadamente uma década.

Ressaltamos por fim que o resultado das mudanças em curso não são imediatas e não se desvelam a observadores neófitos. As alterações na infra-estrutura e no desenho curricular combinadas com o melhor preparo dos professores geram mudanças na formação, mas no mínimo no tempo de formação de uma turma de ingressantes no novo contexto. Estas considerações sobre a evolução do curso de Biblioteconomia da UFPA não visam passar a ideia de que não existem problemas a serem enfrentados e metas sociais e acadêmicas importantes a serem perseguidas, mas querem destacar o caráter dinâmico dessa instituição que protagoniza mudanças ao mesmo tempo em que possibilita de forma direta a melhoria da condição de vida de tantas famílias, contribui com inúmeras instituições das mais diversas áreas, setores e localização geográfica, acolhe jovens, com diferentes padrões de preparo e expectativas e lhes oportuniza que se tornem pessoas melhores e respeitáveis profissionais.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Milton Joaquim de Oliveira - 20/08/1933 - 27/12/2012

Nos últimos quatro meses meu pai teve acelerado um declínio físico que se iniciou de forma lenta com o diagnóstico do mal de Parkinson há aproximadamente cinco anos. Quando lhe redigi esta homenagem ele estava, aos setenta e nove anos, sobre um colchão de água e absolutamente incapaz para as funções humanas mais elementares como locomoção, alimentação e comunicação. Sua total dependência contrariava sua conduta autônoma ao longo da vida. Poucas horas após ele nos deixou.

Minhas lembranças mais remotas da nossa convivência, oportunizadas por momentos ao lado do seu leito nos seus últimos dias e por noites sem sono como agora, me permitiram identificar em sua trajetória uma dedicação exemplar à sociedade, ao trabalho e a família.

Recordações de poucos anos atrás me remetem para um período em que ele rivalizava com a mamãe por questões de pouca importância. Eram discussões intensas, cheias de vida. Naqueles dias de fato já eram, novamente, a principal razão de viver um do outro. O falecimento da mamãe, cinco anos atrás, foi outro marco inicial do declínio do papai.

Lembro-me dos seus esforços para murar o campo de futebol do Irituiense, o clube de futebol presidia; do zelo com os jogadores ao preparar-lhes pessoalmente bastante limonada para que tivessem bom desempenho durante as partidas; de ter sido vereador na nossa cidade natal. Num misto de lamento e orgulho dizia “Numa época em que vereador não ganhava salário”.

Usou conosco métodos corretivos bastante contundentes e convincentes. Mandava-nos buscar o cinto e nos dava umas boas lambadas nas costas na hora ou pouco tempo após infringirmos suas determinações como não brincar na rua ou tomar banho no rio que banha a cidade, o mesmo rio de inesquecíveis pescarias noturnas em uma canoa à remo com uma lamparina na proa. Exerceu a paternidade com autoridade, honradez e zelo com a moral e os bons costumes. Orgulhava-se de contar que outras crianças da cidade escapavam de encrenca certa com os próprios pais se informassem que estavam na companhia dos filhos do seu Milton. Penso hoje que dosou coerentemente o método, que deu certo e agradeço.

Nem sempre praticou o que nos ensinava. Seu calcanhar de Aquiles e principal combustível de uma incoerência importante foram as mulheres. Ao ver certos excessos no trato com minhas irmãs e presenciar situações que faziam minha mãe sofrer, compreendi o conceito de moralismo. Ele não conseguiu escapar de certos condicionantes de uma sociedade ainda hoje predominantemente machista.

Lembro, numa Irituia distante no tempo, do meu pai em busca de um estudo que não recebera quando criança. Estudando à noite concluiu o que naquela altura se denominava de ensino primário que correspondia a cinco anos de escolarização. Não consigo ter segurança, no entanto, sobre em que momento da sua vida percebeu de forma tão clara que a educação podia melhorar nossas vidas, nos libertar de um quase determinismo social para a ignorância. Conforme não existiam possibilidades de estudo em Irituia encontrava diferentes meios de nos mandar estudar em Belém. Sua obstinação nos proporcionou educação formal, autonomia, altivez, preservou nossa dignidade, nos desenvolveu como pessoas e nos fez livres.

A vida é farta e paciente em ensinar. As lições da morte são mais rápidas, intensas e duras. Quanto ao modo como aprendemos com as duas depende de cada um. Muitas vezes somos desatentos às lições da primeira e esquecemos rapidamente os brados da segunda. Meu pai não foi um santo, mas posso dizer com orgulho, que foi um ótimo pai, que muito nos ensinou com a vida e que o modo como lidou com a morte também nos legou lições. Ao fim de tudo a principal lição da vida e também da morte é a mesma, é o fundamento da ética cristã com a urgência atribuída por Renato Russo na canção "Pais e filhos": “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar na verdade não há”. Aprendamos!

Em 27/12/2012
Hamilton Vieira de Oliveira

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Adolescência

Mensagem a um adolescente fictício por um padrinho de verdade

Caro Roberto, não Robertinho, Beto ou Betinho.
Assim mesmo, meio sério, como se fala com um adulto.
A idéia do tratamento é destacar que chega um dia na nossa vida a partir do qual passamos a ser responsáveis pelo nosso destino. Avalio como seu padrinho, que esse seu dia já chegou e talvez você não tenha se dado conta.

A partir desse dia a nossa felicidade, o nosso êxito profissional, as amizades e os amores que seremos capazes de conquistar e quase todo o resto dependem de nós mesmos, das nossas ações, da nossa conduta, da nossa postura diante dos problemas e das oportunidades. O quase, nesse caso, é para não esquecermos que sobre alguns acontecimentos e da nossa vida não temos controle e nem capacidade de compreendê-los.

Eu sei que você gosta de boas histórias, com poderes, mudanças de destinos, ... e por esse motivo, desejo ardentemente que você dê muita atenção a uma história que pode lhe fazer muito feliz. Quero que você cuide com o máximo de zelo e atenção da sua história, lembrando que dela você é o protagonista e o autor.

Não se esqueça de agradecer a Deus pela família que tem, que pode não ser perfeita, mas é a sua família, a que lhe permitiu estar aqui hoje, vivo, capaz de conduzir seu destino.

Quando lhe chamarem de Betinho, entenda que é uma forma carinhosa de chamá-lo, jamais entenda que você é menor. Saiba que somos todos filhos de Deus, hóspedes do planeta, iguais em dignidade.

Um último pensamento: “ser amado não está em nossas mãos, amar sim, e quando amamos coisas boas acontecem”

Que Deus, que tem todo o poder, lhe abençoe, lhe fortaleça e lhe proteja.
Do seu padrinho

Hamilton Vieira de Oliveira

terça-feira, 24 de maio de 2011

Francisco Esteves Alves

Tributo a um Homem Justo e Bom
Terminadas as exéquias na capela onde Seu Francisco estava sendo velado o Diácono colocou a disposição a palavra a quem quisesse falar algo, como é comum nesses casos. Ninguém falou e não convém julgar ninguém por não ter falado. Não é fácil, não é simples, sobretudo para aqueles de quem mais se espera. No meio do silêncio meu filho de treze anos olhou para mim e seu olhar reclamava a fala em honra do seu avô, a fala que não veio. Enquanto rumávamos para o cemitério fiquei com o sentimento de que deveria ter falado e em situação semelhante, já no campo santo, resolvi me pronunciar. A fala, palavras entre soluços, revelou porquê não devemos julgar quem não se manifesta em situação semelhante, mas me pronunciei e acho que foi bom que tenha feito. Parece que quando ninguém fala o rito não se completa.

Por esses dias que marcaram a dolorosa despedida e por fim a passagem do seu Francisco eu me encontrei, em diferentes momentos, procurando palavras que pudessem expressar a pessoa que ele foi, como se construiu nossa relação, como se desenvolveu entre nós uma constante e respeitosa afetividade, sobretudo nos últimos vinte anos.

Uma das palavras que me ocorreu foi carinho e com ela pude recordar a forma carinhosa como lidava com seus filhos - talvez um pouco mais com as filhas - e a forma igualmente carinhosa com que era tratado por eles e neste caso também, talvez um pouco mais por elas, apesar de que essa possível diferença tenha haver mais com cultura de gênero do que com intensidade de afeto. Esse carinho sempre foi extensivo a sua esposa, netos, genros e noras; penso que a cada um conforme estivesse preparado para recebê-lo. Talvez não fosse preciso dizer isso, que ele tão bem escreveu com gestos, mas pessoas desavisadas e com pouca intimidade poderiam achar que ele aplicava em casa o rigor e a formalidade das relações na caserna. Não aplicava.

Penso que ninguém discordará de que a palavra cuidado expressa um traço marcante do seu jeito de ser, de lidar com aqueles que entendia estarem sob a sua proteção, especialmente sua esposa, filhos, netos, genros, noras e irmãos, sem esquecer a Ana. Essa palavra tem muitos sentidos, mas no Seu Francisco ela significava doação amorosa e zelo, e se é possível amar além dos limites penso que ele fazia isso. Em muitos momentos de nossa relação tive o sentimento de ser cuidado por ele e em nem um deles percebi que ele desejasse em troca algo além de que compartilhássemos esse sentido de cuidar. Não me parecia, portanto, que cuidava por reconhecimento, mas porque o seu amor tinha a autenticidade do sentido bíblico de amar.

Em muitas oportunidades ele expressou que me considerava como a um filho. A mim cabe dizer agora (talvez devesse ter dito antes) que em muitos momentos me senti detentor dessa distinção e muito especialmente todas às vezes, nesses últimos vinte anos, em que fui recebido por ele, mesmo em seus últimos dias no hospital em meio às dificuldades de comunicação que apresentou nesse período. Não recordo nenhum encontro no qual tenha sido recebido com a formalidade reservada às visitas, mesmo as desejadas. Via de regra desfrutei do sentimento de um pai que bem acolhe aos filhos independentemente das turbulências que a vida impõe às relações. No nosso caso foram muitas as dificuldades como foram muitos os nossos encontros sob bons ventos, porém a sua conduta era a mesma, impregnada do mais autêntico acolhimento.

Em seu funeral ouvi especulações sobre razões que poderiam ter agravado seu estado de saúde e apressado sua partida. Dentre elas três afastamentos importantes: o da filha em 2007 e mais recentemente o do outro filho e do neto, que mudaram de cidade por imposição profissional. Arrisco afirmar que os afastamentos lhe foram dolorosos e difíceis, mas não acho que tenham agravado a doença contra a qual já lutava bravamente há mais tempo. Sofreu junto e intensamente o sofrimento e a ausência definitiva da filha, mas de forma altiva, digna e equilibrada, com a experiência dos que sabem que a vida nem sempre é uma sucessão de alegrias, dos que sabem que o nosso poder é subordinado a um desígnio maior, fora do alcance da nossa capacidade de compreensão. Nos dois casos sofreu principalmente a dor da impossibilidade de fazer o que melhor sabia: amar de perto.

Finalizo este testemunho passado exatamente um mês da sua despedida ocorrida na madrugada do dia 12 de abril de 2011, logo após a vitória do nosso combalido Leão Azul de 1x0 sobre o Cametá. Ao constatar a relativa facilidade com que produzi esta breve homenagem, percebi o quanto tínhamos em comum e as razões da minha afeição por esse homem com quem tive o privilégio de conviver nas duas últimas décadas. Talvez nossa maior semelhança tenha sido um gosto especial em proteger e cuidar dos que elegemos. Tínhamos diferenças de certo, as principais no campo das ideologias e da política (e dada as nossas trajetórias de vida não seria razoável se assim não fosse), mas outra característica comum jamais permitiu que tais diferenças interferissem em nossa relação: cada um ao seu modo éramos democratas, basicamente respeitávamos o direito que cada um tem de ser diferente. Que ele esteja vivo em nossas mentes e nos sirva de exemplo!
Hamilton V Oliveira

sexta-feira, 25 de março de 2011

Um presente para a Biblioteca Púbica Arthur Vianna

Hoje, 25/03/2011, a Biblioteca Púbica Estadual do Pará “Arthur Vianna” completa 140 anos. Nasceu de uma mobilização popular com a participação de membros do Clero Católico, profissionais liberais, estudantes, empresários, pessoas ligadas à Educação e a Cultura e outras figuras representativas da sociedade paraense da época de 1871. Não nasceu por conveniência política, mas por necessidade social explicitada quando o Pará ainda era província.

Viveu seu ápice, e penso que o início de um incômodo declínio, quando se mudou para o prédio projetado pelo arquiteto Euler Arruda para abrigá-la na dimensão de sua importância e dignidade, o famigerado CENTUR. Foi desde o início da ocupação dos quatro andares do referido prédio, apertada nos dois andares do meio, entre a estrutura administrativa da Secretaria de Cultura - SECULT no quarto andar e o auditório improvisado para abrigar o Congresso Brasileiro dos Agentes de Viagem, no primeiro. Registre-se que à época, segunda metade dos anos oitenta, Belém não possuía Centro de Convenções.

A já centenária Biblioteca Pública nesse período não teve apenas o seu espaço físico tirado, possivelmente o maior abalo que sofreu foi em sua identidade, passou a ser conhecida e referida comumente como a biblioteca do CENTUR, e o que é o CENTUR senão o apelido de um prédio, uma espécie de sigla cuja correspondência real mais próxima é a Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves - FCPTN.

Outro ataque que passou a sofrer a tradicional Biblioteca, não sei se há na literatura um termo mais apropriado para isso, foi uma espécie de parasitismo administrativo pela própria instituição que deveria abrigá-la, protegê-la, zelar pelo cumprimento da sua função social. Sucessivas mudanças na estrutura da FCPTN levaram a Biblioteca à desprestigiada condição de gerência no mesmo nível de um setor que integra a estrutura de qualquer biblioteca no mundo como o Processamento Técnico. Nessa mesma linha lhe tiraram serviços que criou como o Carro Biblioteca, que quando nasceu, em uma Kombi adaptada, conseguia ser mais efetivo do que hoje, subordinado a outra gerência.

Está a nossa Biblioteca Publica, numa estranha subordinação administrativa do mais geral ao mais específico, integrando uma Diretoria de Leitura e Informação. Basta ler o Manifesto da UNESCO para as Bibliotecas Públicas para perceber que sua função social é bem mais ampla do que leitura e informação, essa é uma de suas funções e esse poderia ser um setor seu. Parece mais pomposo, mas é impróprio não apenas do ponto de vista administrativo, mas também do político e ético.

Hoje, em festa pelo seu 140º aniversário, a Biblioteca Pública Arthur Vianna, em honra da iniciativa popular que determinou sua criação, merece e espera dos atuais ocupantes do poder no Estado do Pará que lhe assegurem um futuro e que lhe ofereçam o presente que lhe é devido: justiça, na forma de reconhecimento e valorização.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Educação de Qualidade e Bibliotecas Escolares

No dia 30 de novembro de 2006, na câmara Municipal de Belém - CMB, ocorreu uma Audiência Pública provocada pela Comissão de Educação daquela Casa Legislativa para tratar da atuação do Bibliotecário e do seu Conselho de Classe. A Audiência assumiu caráter de urgência após um membro do legislativo municipal pedir aos seus colegas a aprovação de um voto de protesto contra o Conselho Regional de Biblioteconomia (CRB-2), devido sua atuação nas escolas cujas bibliotecas não dispõem da presença do Bibliotecário. Duas informações sobre o episódio e seus desdobramentos: as Presidentes da Comissão de Educação da CMB e do Conselho Regional de Biblioteconomia são irmãs e o vereador que requereu o voto de protesto é dono de uma escola autuada pelo CRB-2.
O voto de protesto não foi aprovado. À luz das circunstâncias os demais membros da CMB indicaram que a casa não está a serviço dos donos de escolas, mas da comunidade em geral que deve receber de concessionários de serviços públicos, o que inclui esses proprietários, o melhor e mais qualificado atendimento.
É óbvio que toda instituição prestadora de serviços públicos deve dispor de profissionais com qualificação específica do serviço que oferece, ou seja, médicos, enfermeiros e congêneres nos hospitais; engenheiros, arquitetos e outros profissionais da área nas empresas de engenharia; professores com as licenciaturas específicas para o ensino das disciplinas nas escolas. O que não parece estar claro para o personagem do episódio e seus assemelhados na sociedade, é a existência de profissionais com qualificação específica para administrar bibliotecas.
A idéia não é criticar a educação como negócio, mas defender que esse serviço seja prestado pelo poder público ou por particulares com qualidade e seriedade, o que inclui dotar as escolas de infra-estrutura adequada, bons professores, laboratórios equipados e bibliotecas com pessoal qualificado.
No ensino superior público e privado a situação é bastante diferente. O Governo Federal relaciona educação de qualidade à existência de bibliotecas, cobrando das instituições a manutenção de bibliotecas com padrões mínimos. Algumas organizações reagem à fiscalização com o mínimo, outras aproveitam a consultoria governamental e vão além, de modo que existem boas bibliotecas universitárias, não por coincidência, onde são ofertados os cursos com melhor desempenho nas avaliações oficiais.
Na realidade o potencial da biblioteca escolar está longe de ser conhecido. O fato é que na maioria das escolas do Brasil, eterno aspirante de ser desenvolvido, há uma grave deficiência desse tipo de biblioteca e as poucas que existem, pelo modo como são tratadas não conseguem cumprir sua função. Para os que compreendem que ser desenvolvido transcende o bom desempenho dos indicadores econômicos a ausência de bibliotecas nas escolas é, por si só, um péssimo sinal.
É natural pensar na inteligência como uma característica inerente à gestão escolar. O que a realidade permite ver e o episódio mencionado inicialmente ilustra, é que em geral a gestão escolar sequer chega a ser profissional, portanto, incapaz de perceber que uma biblioteca escolar dinâmica é fundamental para o bom desempenho pedagógico e empresarial da organização escolar e tanto pode constituir-se em uma singularíssima vantagem competitiva quanto em um fator crítico de sucesso na complexa tarefa de educar.