Um paraense ilustre
Um paraense ilustre, um grande amigo, um segundo pai, hoje nos deixou. Seu Fortes (Manoel Fortes Lopes). Ele morava em Brasília e tinha 92 anos. Convivi com ele no período que morei em Brasília entre 1997 e 2002. Sei de partes da sua história de longas conversas com ele que pra mim foram um privilégio.
Era de Igarapé Miri com rápida passagem por Belém onde estudou no Colégio do Carmo, calculo que no final dos anos 30. Mudou-se com 19 anos para o Rio de Janeiro onde teve breve carreira militar passando depois aos quadros do Banco do Brasil, condição na qual se transferiu para Brasília quando da instalação da Capital Federal.
No Rio de janeiro seu maior feito foi conhecer e se casar com uma bela, rara e preciosa joia carioca chamada Aracê Gondim que se tornou Lopes e propagava, sempre que podia e com base em sua experiência, serem os paraenses os melhores maridos.
Quando fui a Brasília prestar exame para o Mestrado me hospedei num dos hotéis mais simples do setor hoteleiro norte e num telefonema de Belém fui informado de que um paraense que morava em Brasília há muito tempo, que eu não conhecia, iria me hospedar. Poucos minutos depois recebi um telefonema dele próprio me instruindo a fechar a conta e esperá-lo que logo chegaria e que eu o reconheceria por estar em uma parati cor de açaí, como convinha a um bom paraense, dizia na época.
Conhecemo-nos assim, me saudou com uma afetuosidade natural como se me conhecesse há muito tempo, levou-me para um confortável apartamento no início da Asa Norte onde me acolheu naquela e em tantas outras vezes que retornei a Brasília. Ele e a preciosa joia Aracê. Era encantador presenciar o zelo com que rivalizavam um com o outro sem o menor risco para a solidez da relação; era auspicioso ver o carinho e o zelo que tinham um para com o outro.
No período em que morei em Brasília deixei de ser seu hóspede e passei a ser tratado como filho. Participou de todos os pequenos eventos sociais que fiz e incluiu-me em todos os seus; tornou os seus filhos meus irmãos e sei que a qualquer tempo, como naqueles bons anos, assim serei recebido em suas casas, com a alegria que se recebe um irmão.
Contou-me em tantas conversas e com tantas fotos das viagens que fez com Dona Aracê, de trailer, de navio, de avião, para alguns lugares próximos e outros muito distantes. Penso nele como alguém que foi experimentado por problemas graves ao longo da vida, mas que soube apreciá-la intensamente como a dádiva que é.
Gosto especialmente de lembrar que usava minha chegada como pretexto para abrir um bom vinho dos quais me falava com entusiasmo enquanto degustávamos às vezes com os protestos de Dona Aracê, sempre preocupada com sua diabetes, aos quais ele respondia dizendo: “Cecê, o Hamilton está nos visitando isso merece uma celebração”. Deve ter repetido o gesto com muitos outros bons amigos que tinha. Rivalizava com seu gosto por vinho o seu apreço por tecnologia, destacadamente máquinas fotográficas.
Era católico, até onde eu sei não muito chegado aos ritos e às formas, mas quando recentemente o Papa Francisco falou que uma pessoa pela sua conduta, mesmo não frequentando a igreja, podia encontrar a salvação eterna, foi dele que eu lembrei. Não era um cristão de ritos, mas o era de substância. Sabia cuidar, sabia amar. Penso que escolheu o que há de mais belo nos ensinamentos de Cristo e sem que estivesse preocupado com isso, viverá para sempre.
Este é o segundo texto que lhe dedico, o primeiro foi minha tese de doutorado na UnB em 2003, nestes termos: “Ao casal Manoel e Aracê Fortes Lopes, a quem meus filhos se referem como avós de Brasília. As crianças dizem o que vêem e o que sentem. Viram e sentiram que tínhamos uma família em Brasília”. Quando a defendi ele estava lá.
Ele não era um paraense famoso, mas pra mim ele sempre será um paraense ilustre. Que Deus lhe acolha na sua paz meu amigo.
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