segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O Estranho Caso do Prefeito de Belém contra os Bibliotecários.



Quando da aprovação pelo Congresso Nacional, em maio de 2010, da Lei 12.244, que trata da universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do Brasil, o senador, pelo Distrito Federal, Cristovam Buarque afirmou que o projeto possuía dois defeitos “demorou tantas décadas para ser aprovado e estabelece um prazo longo para sua execução” e completou “os sistemas de ensino poderiam reduzir de dez para cinco anos o prazo de instalação das bibliotecas”.
A Lei, publicada no Diário Oficial da União em 25 de maio de 2010, é gigantesca na intenção e pequena em volume de texto; de forma simples e direta define sua abrangência, conceitua biblioteca, estabelece um acervo mínimo relacionado ao número de alunos de cada escola, define um prazo máximo de dez anos para sua efetivação pelos sistemas de ensino e determina a observância à profissão do bibliotecário nos termos da lei que a regulamenta.
Para além do sucinto conceito de biblioteca da Lei Federal é oportuno observar sobre a questão as proposições da Federação Internacional das Associações de Bibliotecários - IFLA, referendadas pela UNESCO, que atribui à Biblioteca Escolar, dentre outras, a responsabilidade de habilitar os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida, de desenvolver sua imaginação, de prepará-los para viver como cidadãos responsáveis.
O Prefeito de Belém do Pará, às vésperas da cidade completar 400 anos de fundação, achou por bem fazer diferente do que sugeriu o senador. Por meio de um Projeto de Lei encaminhado à Câmara Municipal, propõe limitar a 23 o número de bibliotecários no âmbito da administração municipal. Em sua defesa o prefeito poderia argumentar que o número de cargos é superior ao existente, mas isso não invalida o fato de que o mesmo é insuficiente e vergonhoso.
Florianópolis, com um terço da população de Belém, já cumpriu a lei de universalização das bibliotecas nas escolas municipais que são cuidadas por mais bibliotecários do que propõe o nosso prefeito para toda a nossa administração municipal. Para não ir tão longe é triste pensar que talvez nossa capital sequer alcance o município de Tomé-Açu, no próprio Estado do Pará, que recentemente inaugurou sua quinta Biblioteca Pública Municipal.
Para além da antecipação da intenção de descumprir a Lei Federal, cuja competência legal para exigir o cumprimento é do MPU, o ato é difícil de entender e de classificar. À luz da teoria administrativa, por exemplo, o ato desvela um gestor que ao invés de estabelecer objetivos e metas sociais para o município, de buscar a qualidade do processo educativo, estranhamente escolhe limitar um fundamental e poderoso instrumento de mudança.
A maior Biblioteca Pública de Belém, a “Arthur Vianna”, não é municipal, funciona no prédio apelidado de CENTUR sob a gestão do Governo do Estado, por meio da Fundação Cultural do Pará. Em março de 2016 completará 145 anos. Nasceu quando o Pará era província e o Brasil, império. Foi fundada em 1871, a partir de uma mobilização popular com a participação de membros do Clero Católico, profissionais liberais, estudantes, empresários, pessoas ligadas à Educação e à Cultura e outras figuras representativas da sociedade paraense da época; não nasceu por conveniência política, mas por necessidade e exigência social.
Nossos políticos talvez estejam mais pobres em mentalidade e visão, mas a população desta cidade não pode ter regredido a ponto de não se insubordinar civicamente contra uma medida culturalmente tão pobre e sem fundamento. Bibliotecários por iniciativa própria e de suas instituições procuram se mobilizar contra a medida, mas a causa não é apenas dos bibliotecários, a causa é da sociedade.
O ato da administração municipal exige vigilância, posicionamento e ação. Ao limitar o número de cargos de bibliotecário, a gestão municipal compromete o funcionamento das bibliotecas, afeta ou inviabiliza políticas públicas de leitura, soma com a ignorância e com a incivilidade, demonstra pouco zelo com o objetivo estratégico de tornar nossa cidade melhor por meio da educação e da cultura.
Os problemas da cidade são muitos, complexos e desafiadores, mas não podemos tratá-los como insolúveis. Nessa questão específica que inclui a promoção da leitura e o acesso a todo tipo de informação por meio das bibliotecas, uma medida bem razoável seria a aprovação de um “Plano Municipal do Livro, Leitura e Bibliotecas – PMLLB”, o que muitas capitais brasileiras já o possuem. Seria um belo presente de 400 anos e Belém bem que o merece.

16 comentários:

  1. Parabéns pelo lúcido texto.
    Políticos partidários, quem os precisam.
    Precisamos neste país de homens probos com políticas sérias.

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    1. Talvez a falta de lucidez seja a nossa pior crise. Não confundir política partidária com compromisso político também é importante. Grato pelo comentário.

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  2. Belo texto, Prof. Hamilton. Como dito acima "mas a causa não é apenas dos bibliotecários, a causa é da sociedade.." a mobilização deve ser da cidade, não somente de uma classe.

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    1. É isso Diego. Tratar a causa como defesa de emprego é diminuí-la. Assim como não é de um partido. Grato pelo comentário.

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  3. Comentário bem preciso e reflexivo para àqueles que não compreendem a razão da inconformidade da classe de Bibliotecários, que antes de tudo são também cidadãos com o anseio de ver a nossa sociedade em um nível educativo e cultural mais igualitário tendo por base o topo de qualidade.

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    1. Muitos tem dificuldade de ver a relação entre a atuação de determinados profissionais e objetivos como a qualidade da educação. Grato pelo comentário.

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  4. Professor!
    Obrigado pela contribuição com este texto perfeito!

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    1. Acho que é minha melhor forma de contribuir com a causa da leitura como recurso de melhoria da sociedade.

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  7. Depois de tomar conhecimento de uma notícia tão estarrecedora desta, um sentimento de profunda indignação e revolta tomou conta de mim, fico me perguntando o que está por trás de uma decisão tão ignóbil, mesmo vinda de uma pessoa com formação em Direito. Penso que seja pelo fato de ser muito mais fácil manipular um povo que não tem acesso a informação, que não questionará o fato de uma prefeitura como a de Belém, cidade com um número muito inferior de habitantes em relação a prefeitura de São Paulo, consequentemente com um orçamento inferior à de São Paulo ter em seu staff o absurdo número de 188 assessores (cargos não concursados, ditos de confiança e indicados pelo prefeito) ganhando do então prefeito Haddad da capital paulista. Penso na minha humilde opinião que esses, sim, seriam cargos passiveis e possíveis de extinção. Chamo, de um retrocesso em Belém ao tão lento avanço da Lei 12.244 que trata da universalização das bibliotecas, aprovada pelo congresso nacional. Ouso chamar esse famigerado projeto de lei, de um verdadeiro “presente de grego” para uma cidade tão coberta de necessidades sociais como minha querida Belém.

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    1. Você tocou num ponto importante Riane. Em uma lógica de racionalidade administrativa seria coerente examinar também o quantitativo de assessores e estabelecer limites. Grato pelo comentário.

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  8. Professor, parabéns. Esse texto nos esclarece muito e tens razão essa luta ñ é só nossa Bibliotecários e futuros bibliotecários, mas de toda comunidade.

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    1. Acredito profundamente nisso elizangela. Grato pelo comentário.

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