quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Milton Joaquim de Oliveira - 20/08/1933 - 27/12/2012

Nos últimos quatro meses meu pai teve acelerado um declínio físico que se iniciou de forma lenta com o diagnóstico do mal de Parkinson há aproximadamente cinco anos. Quando lhe redigi esta homenagem ele estava, aos setenta e nove anos, sobre um colchão de água e absolutamente incapaz para as funções humanas mais elementares como locomoção, alimentação e comunicação. Sua total dependência contrariava sua conduta autônoma ao longo da vida. Poucas horas após ele nos deixou.

Minhas lembranças mais remotas da nossa convivência, oportunizadas por momentos ao lado do seu leito nos seus últimos dias e por noites sem sono como agora, me permitiram identificar em sua trajetória uma dedicação exemplar à sociedade, ao trabalho e a família.

Recordações de poucos anos atrás me remetem para um período em que ele rivalizava com a mamãe por questões de pouca importância. Eram discussões intensas, cheias de vida. Naqueles dias de fato já eram, novamente, a principal razão de viver um do outro. O falecimento da mamãe, cinco anos atrás, foi outro marco inicial do declínio do papai.

Lembro-me dos seus esforços para murar o campo de futebol do Irituiense, o clube de futebol presidia; do zelo com os jogadores ao preparar-lhes pessoalmente bastante limonada para que tivessem bom desempenho durante as partidas; de ter sido vereador na nossa cidade natal. Num misto de lamento e orgulho dizia “Numa época em que vereador não ganhava salário”.

Usou conosco métodos corretivos bastante contundentes e convincentes. Mandava-nos buscar o cinto e nos dava umas boas lambadas nas costas na hora ou pouco tempo após infringirmos suas determinações como não brincar na rua ou tomar banho no rio que banha a cidade, o mesmo rio de inesquecíveis pescarias noturnas em uma canoa à remo com uma lamparina na proa. Exerceu a paternidade com autoridade, honradez e zelo com a moral e os bons costumes. Orgulhava-se de contar que outras crianças da cidade escapavam de encrenca certa com os próprios pais se informassem que estavam na companhia dos filhos do seu Milton. Penso hoje que dosou coerentemente o método, que deu certo e agradeço.

Nem sempre praticou o que nos ensinava. Seu calcanhar de Aquiles e principal combustível de uma incoerência importante foram as mulheres. Ao ver certos excessos no trato com minhas irmãs e presenciar situações que faziam minha mãe sofrer, compreendi o conceito de moralismo. Ele não conseguiu escapar de certos condicionantes de uma sociedade ainda hoje predominantemente machista.

Lembro, numa Irituia distante no tempo, do meu pai em busca de um estudo que não recebera quando criança. Estudando à noite concluiu o que naquela altura se denominava de ensino primário que correspondia a cinco anos de escolarização. Não consigo ter segurança, no entanto, sobre em que momento da sua vida percebeu de forma tão clara que a educação podia melhorar nossas vidas, nos libertar de um quase determinismo social para a ignorância. Conforme não existiam possibilidades de estudo em Irituia encontrava diferentes meios de nos mandar estudar em Belém. Sua obstinação nos proporcionou educação formal, autonomia, altivez, preservou nossa dignidade, nos desenvolveu como pessoas e nos fez livres.

A vida é farta e paciente em ensinar. As lições da morte são mais rápidas, intensas e duras. Quanto ao modo como aprendemos com as duas depende de cada um. Muitas vezes somos desatentos às lições da primeira e esquecemos rapidamente os brados da segunda. Meu pai não foi um santo, mas posso dizer com orgulho, que foi um ótimo pai, que muito nos ensinou com a vida e que o modo como lidou com a morte também nos legou lições. Ao fim de tudo a principal lição da vida e também da morte é a mesma, é o fundamento da ética cristã com a urgência atribuída por Renato Russo na canção "Pais e filhos": “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar na verdade não há”. Aprendamos!

Em 27/12/2012
Hamilton Vieira de Oliveira