Antes do Museu Nacional ser consumido pelas chamas a
percepção da sua importância já queimava em cada um de nós.
O Museu não era apenas 200 anos de história, a residência da
família real, a instituição que abrigou e justificou vidas inteiras de trabalho
e de pesquisa, que guardava o fóssil humano mais antigo do Brasil e coleções valiosíssimas
em tantos campos de estudo. Ele era tudo isso e era muito mais que isso.
O fogo consumiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro, como
consumiu a Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, como consome diariamente
outros patrimônios culturais do nosso País, dos nossos Estados, das nossas
Cidades mais antigas, porém esses tesouros da História não perecem apenas pelo fogo,
eles também são afogados, são consumidos por insetos, morrem de solidão, todavia
o mais triste é que morrem antes, dentro de cada um de nós que não aprendemos a
cidadania e que nos permitimos governantes sequer capazes de compreender a
dimensão da tragédia que representa a falta de zelo com a nossa memória, com a
nossa identidade.
A responsabilidade não é dos sucessivos governos em âmbito
federal, do governo do Rio de Janeiro, da UFRJ, do hidrante sem água, da emenda
constitucional do teto de gastos, dos governos municipais, a responsabilidade é
solidariamente de todos esses agentes e também é de cada cidadão deste país,
que quando muito, experimenta, sem bem compreender, o sentimento de perda diante
de acontecimentos como o incêndio do Museu.
O incêndio do Museu nos entristece e a muitos faz chorar,
mas o incêndio do Museu Nacional muito revela de uma tragédia muito maior pela
qual há muito tempo já deveríamos estar tristes e chorosos. Sem reconhecer a
importância do nosso patrimônio, da nossa História, da nossa identidade e da
nossa memória nós estamos perdidos e assim afundamos mais, a cada dia, em
caminhos incertos, sem noção alguma de onde viemos e menos ainda para onde
estamos indo como sociedade e como nação.
Não apenas os museus, mas também os arquivos e as
bibliotecas pelo mundo e pelo Brasil, são o registro dos caminhos percorridos
pela humanidade, são os guardiões do esforço humano manifesto na ciência, na
filosofia, na literatura e nas diferentes formas de arte, documentam e
testemunham a trajetória que nos impulsiona da barbárie para a civilidade.
A nossa maior crise e merecedora do nosso maior lamento não é
de segurança, de educação, de saúde, econômica, distributiva. A crise de civilidade
é a mãe de todas essas crises: é em seu bojo que nos falta ética e nos sobra
intolerância; é da sua natureza a prevalência do interesse individual sobre o
coletivo; está na sua centralidade a forma como nos relacionamos com a
natureza, os outros seres e com os nossos semelhantes; é da sua essência a
pouca importância dada à cultura nos orçamentos públicos; é uma evidência sua a
banalidade da morte dos museus, dos arquivos, das bibliotecas e da nossa
própria morte.
Temos muito pelo que nos indignar! Temos muitos
motivos pra chorar! O desafio que se nos apresenta é gigantesco! Existe limite
para os descaminhos! Temos tarefa pra gerações.