quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Ética nas relações de orientação acadêmica e maledicências na Internet


Este texto apresenta uma reflexão motivada pela disseminação e replicação de informação infundada por meio das redes sociais, destacadamente do aplicativo “whatsapp”, e ilustrada por episódios recentes no âmbito das Faculdades de Biblioteconomia e Arquivologia da UFPA, no contexto do processo de qualificação de Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, um procedimento que objetiva a qualidade dos trabalhos, o aprimoramento da habilidade de pesquisa e se sustenta no regulamento de graduação da UFPA que delega aos Conselhos de Curso a competência de regulamentar o TCC como atividade acadêmica curricular.

No caso do Curso de Biblioteconomia aprovamos um regimento de TCC no Conselho da Faculdade, onde os estudantes estão representados. Em outro momento convocamos e reunimos todos os professores e aproximadamente sessenta discentes que iriam se matricular em TCC, ocasião na qual foram esclarecidas as dúvidas e entregue, para cada um, uma versão impressa do regimento. Em seguida a reunião geral os estudantes se reuniram em grupos menores, por orientador, para os acertos iniciais referentes ao processo de orientação. Depois, em prazo decidido pelo Conselho da Faculdade, foram entregues para fins de qualificação, com o aval dos orientadores, setenta e cinco TCCs, em sua versão parcial que inclui a introdução, o referencial teórico e a metodologia a ser usada.

A primeira experiência de qualificação foi muito bem acolhida e aproveitada por orientadores e estudantes sendo que o ganho principal do procedimento, em rito privado, foram as contribuições dos professores convidados. Em muitos casos, em seguida a apresentação, os discentes sentaram-se à mesa com os examinadores e se estabeleceu uma construtiva conversa sobre o trabalho e suas possibilidades. No curso de Arquivologia, cujo prazo de entrega da versão parcial de TCC é hoje (15/02), os orientadores estimam a entrega de 25 trabalhos. Não é pouco em um curso com um ingresso anual de quarenta discentes e duas integralizações por ano.

Alguns desses cem (100) estudantes fizeram o registro, em redes sociais, da alegria de terem cumprido com sua responsabilidade acadêmica, porém duas estudantes, uma de cada curso, com evidências de, em grau diferente, terem negligenciado a orientação acadêmica pré- qualificação, se revoltaram contra o seu orientador e, por meios diversos, expressaram sua insatisfação contra o mesmo, contra o processo e com prejuízo à imagem da instituição que as acolhe. Nos dois casos renunciaram ao direito de reclamar nas instâncias devidas, de terem visto examinada de forma colegiada as suas reclamações, quiçá justas, e partiram para as ameaças e para a denúncia emocional via internet, que rapidamente ganhou corpo pelos comentários e compartilhamentos de desavisados, mas também de maldosos que se aproveitam da situação para dar vazão à avidez de julgar e condenar a quem não foi dado o benefício da dúvida ou a possibilidade de defesa. É só como podemos entender, por exemplo, no caso concreto, insensatas manifestações xenófobas de onde elas não poderiam vir.

Quantos colegas nossos ou nós mesmos estamos sendo profissionalmente bem acolhidos em outros estados ou países? Quantos de nós, ou nós mesmos, temos o sustento das nossas famílias garantido por empresas ou organizações sediadas em outros estados ou países? A priori uma pessoa é boa ou má profissional conforme o estado de onde venha ou a instituição na qual estudou? Acompanhamos, diariamente, nos Cursos de Biblioteconomia e de Arquivologia, profissionais sérios, com formação sólida e comprometidos institucionalmente, que deixaram os seus lugares de origem e estão nos ajudando, de forma decisiva, na melhoria dos curso de graduação e na implantação de importantes projetos que nos beneficiarão a todos. Não por sua origem, mas pela sua postura e profissionalismo são merecedores do nosso reconhecimento e do nosso respeito.

Temos o privilégio profissional de contribuir para a formação de bibliotecários dos quais já tivemos a honra de assinar muitos diplomas e esse orgulho é tanto maior porque um dos principais desafios desse profissional é, por meio de múltiplas linguagens, conteúdos relevantes e de fontes confiáveis, contribuir na edificação das pessoas, da sociedade e do mundo como um lugar melhor. Vivemos tempos em que essa tarefa se revela como de extrema importância e estudantes ou profissionais de Biblioteconomia, de Arquivologia ou de quaisquer outras profissões que tem por objeto a informação, que ainda não aprenderam essa lição e demonstram isso na forma como usam a internet e as redes sociais, precisam com urgência do benefício da fundamentação técnica, da educação, da cultura, das artes e da informação com a qual pretendem ajudar os outros.

A despeito de uma infinidade de usos positivos em todos os campos de atividade humana, destacadamente na área de informação e comunicação, é humanamente triste e muito difícil não concordar com a polêmica afirmação de Humberto Eco, de que a internet também potencializou a voz da mediocridade e da ignorância. No filme “A dúvida”, roteiro e direção de John Patrick Shanley, estrelado por Meryl Streep (EUA 2008) há uma cena em que um sacerdote católico alude a uma penitência sugerida a uma mulher pela prática de difamação. A pena consistia de a caluniadora espalhar ao vento, em uma torre bem alta, as penas de um travesseiro e depois recolhê-las uma a uma. A penitenciada, no dizer do orador, dizia ser impossível cumprir a tarefa ao que o sacerdote lhe respondia que da mesma forma é impossível reparar a honra de quem é injustiçado por maledicências. O filme retrata um problema que é muito antigo, mas que foi potencializado com o surgimento e o uso, sem o necessário zelo ético, da Internet e das redes sociais. Para Aristóteles a dúvida é o princípio da sabedoria, se vivesse hoje, aludindo a Manuel Castells, talvez dissesse: “principalmente no espaço de fluxos”, mas quem disse que vivemos tempos de sabedoria. Precisamos!